Que a Suíça fala vááárias línguas isso não é novidade, né? Afinal, como eu já disse antes, ela tem quatro línguas nacionais e três delas são oficiais, o que quer dizer que todos os documentos oficiais devem ser traduzidos nessas três línguas oficiais. Mas isso já não é novidade pra você que me acompanha…
Também que o alemão (Hochdeutsch) e o suíço-alemão (Schweizerdeutsch — ou ainda Schwiizertütsch) são quase duas línguas diferentes — na verdade, há uma discussão enorme pra saber se o Shcweizerdetsch é uma língua ou um dialeto, mas não vou falar disso agora — não é novidade nenhuma. O bom é que com o francês e com o italiano as diferenças não são tão grandes, o que facilita muito pra quem vem pra cá. 😉
Pra ser sincera, com o francês o que rola é mais ou menos o que rola no Brasil: quem vem de regiões diferentes acabam tendo sotaques diferentes e alguns vocábulos particulares…
E aí a gente chega onde você tava esperando! Vamos falar de expressões ou palavras que são consideradas helvétismos!
(Pra você que não sabe ainda o que é um helvétismo, é bem simples: helvétismo é toda palavra ou expressão que seja utilizada especialmente na Suíça, porque esse nome vem do povo Helvécios, de origem celtas, que habitavam as terras que hoje são da Confederação Suíça, ou simplesmente Suíça. E pra deixar bem claro, vou te contar aqui os helvétismos francófonos, ok?)
1. Septante, huitante, nonante…
Todo estudante de francês já passou pela frustração de aprender a falar os números 70, 80, 90!
Essa frustração pra quem começa a estudar é porque depois do 60, a conta fica complicada… 70 é soixante-dix, ou sessenta-dez — ou, como os professores de francês costumam explicar pra facilitar na hora de lembrar, sessenta mais dez — e vai assim toda a família: soixante-et-onze, soixante-douze… ou seja, sessenta-mais-onze, sessenta-mais-doze…
Ok, até que não é tão difícil, Carol… aí, nessa lógica, 80 seria soixante-vingt, ou sessenta mais vinte, certo? Errado! Aí lógica muda! Aí vira quatre-vingt, ou quatro-vinte — no caso, quatro vezes vinte — e segue: quatre-vingt-un, quatre-vingt-deux… então: quatro-vezes-vinte-mais-um, quatro-vezes-vinte-mais-dois…
Agora você não me pega! Como é 90? Pois é, quatre-vingt-dix! E assim por diante: quatre-vingt-onze, quatre-vingt-douze…
Agora vem comigo que eu te conto um segredo: na Suíça, eles falam septante (70), huitante (80) e nonante (90). Me diz aí: o jeito suíço é bem mais fácil, nénão?
Aí você vem e fala que ouviu em Genève contarem da maneira francesa. Pois é… Por lá eles contam mais próximos dos franceses. Mas vamos ser sinceros: eles estão bem mais perto da França…
Outro país que não complicou os números foi a Bélgica, e que também não usa o gigante quatre-vingt-dix — ufa! — nem o soixante-dix, mas eles ainda gostam de uma multiplicação e continuam com o quatre-vingt.
2. Ça joue!

Ça marche / ça [ne] marche pas (esta última é a negativa) são expressões muito usadas em países francófonos: afinal, isso equivale ao nosso fechou quando combinamos algum rolê, tá quebrado quando é negativo ou simplesmente que algo está ou não funcionando — ou andando, se formos pensar na tradução literal.
Bem, aí cheguei aqui na Suíça já esperta, já sabia que ça marche era uma expressão da língua francesa muito útil pra diversas situações.
E aí, com toda minha postura de sabe-tudo, me metia a falar a tal expressão pra lá e pra cá. Até que, numa rodinha logo nas primeiras semanas por aqui, vem um suíço e nos ensina que por aqui a gente não usa ça marche, mas ça joue! As coisas não andam, jogam! A diferença mesmo fica só pra traduções ao pé da letra, porque na prática ça joue e ça marche mostram só onde você aprendeu a falar francês…
Mas acho ça joue bem mais bonito. Sei lá, tem mais cara de gíria talvez…
3. Bancomat? Postomat ou distributeur?

Vou ser sincera: sempre tentei absorver tudo na aula ou por filmes, livros ou revistas, mas, se eu fosse uma aluna aplicada, eu teria aprendido a palavra distributeur antes da palavra bancomat. Por quê? Simplesmente porque distributeur é a palavra francesa e está num dos primeiros capítulos do livro que eu usei para aprender francês isso quando ainda estava lá no meu primeiro livro de francês de quando eu tinha ainda meus quatorze anos…
A verdade é que pouco antes de vir, tive que pesquisar nos bancos suíços como eu faria para pagar meu mês de aluguel, que venceria no dia seguinte a minha chegada.
Aí eu, já um pouco preocupada, saí pela internet procurando as agências do banco onde eu tinha que depositar o aluguel. E vi que algumas agências funcionavam 24h. Achei fantástico e um tanto quanto esquisito por ser Europa, né… Aí vi que essas “agências” tinha apenas bancomats. E só quando cheguei em Lausanne que descobri que na verdade bancomat é o mesmo que os caixas 24h do Brasil…
E como descobri — ou talvez, redescobri — que na França é distributeur? Logo no começo do semestre fiz uma amiga francesa. E a verdade é que queríamos ir para uma festa, mas precisávamos comprar os ingressos, né. Ela começou a perguntar por um tal de distributeur. Olhei com cara de dúvida. “Eu preciso sacar dinheiro” me explicou ela. “Ah, você quer um bancomat!”. Aí foi ela quem me olhou com cara de dúvida!
Expliquei.
Ah, faz sentido, vai? Bancomat é a junção de banque (banco) e automatique (automático), daí, bancomat. E serve pra quase todos os caixas eletrônicos dos bancos.
MAS. É claro que os criativos dos suíços inventaram mais uma! Postomat. Essa é bem simples: aqui o correio (La Poste/ Die Post) tem um banco próprio — e também uma companhia de ônibus, diga-se de passagem — e esse banco chama-se PostFinance e aí quem tem conta nesse banco tem alguns nomes diferentes, a começar pelo caixa eletrônico, que é Postomat — mesmo esquema de construção da palavra —, eles tem uma bandeira própria e o e-banking chama e-finance, mas na prática pouco muda.
Acho que a diferença mais prática entre Bancomat e Postomat é que se você tem conta na La Poste e quer sacar num bancamat, você tem que pagar algumas taxas. E se você tem conta em outro banco e quer sacar no Postomat é o mesmo esquema.
3. …ou bien?
Essa é uma expressão específica do francês de Vaud — ou, pra usar o adjetivo certinho: vaudoise, e se pronuncia cantão de “Vô” / “Vodoaze” —, o cantão de Lausanne. E é um regionalismo que eu acho bem legal, não só porque ouço bastante na boca da galera na rua, mas porque supre uma falta que eu sentia no francês.
Pelo o que eu entendi, uma das traduções pode ser o nosso ou então, como uma maneira de alternativa se está no meio da frase.
Mas meu amigo Sebastien me disse que ele costuma usar muito para dar uma ênfase na pergunta, mesmo estilo da expressão inglesa do you? ou don’t you?, ou algo mais próximo do nosso né? ou o meu querido nénão?
Pra ser sincera essa é uma expressão tão comum por Lausanne que nem me dava conta que era um regionalismo tão regional — não, Carol o regionalismo não vai ser regional… dã! Mas enfim, acho que deu pra entender, ou bien? —, fui aprender mesmo na sala de aula que não era uma expressão francófona, mas vaudoise, quando uma professora explicava o uso de alguns helvetismos na obra de Ramuz — o maior escritor vaudois, segundo alguns (e o cara da nota de 200 CHF).
Entendeu agora, ou bien?
4. On déjeune ou on dîne?

Você lembra de Asterix e os belgas? Eu li na tradução brasileira há um tempo na casa dos pais do meu namorado e ri sozinha com uma tirada em que Obelix se dá conta que os belgas almoçam de manhã e os franceses ao meio-dia. A tirada é boa, mas pela tradução só não dá pra entender direito.
O lance é o seguinte: na França — e no francês que aprendemos no Brasil —, fala-se petit-déjeuner, déjeuner e dîner, que seriam o café-da-manhã — daí dá pra entender o pequeno-almoço dos portugueses… —, almoço e jantar.
Aqui na Suíça e na Bélgica, prevalece ainda a antiga ordem do nome das refeições: déjeuner, dîner e souper, onde déjeuner continua significando desjejum.
O engraçado é que no francês da França agora existe o verbo petit-dejeuner, que significaria “café-da-manhãzar” ou melhor, “desjejuar”. Na verdade, já existia o verbo dejeuner, então a conjugação no francês acaba não sendo tão exdrúxula quanto esse meu neologismo tosco do português…
5. Natel

Esta é uma palavra curiosa pra mim: curiosa porque essa é uma das únicas palavras que a Suíça inteira adotou independentemente da língua da região: natel.
Quer dizer celular, mas isso só aqui na Suíça. No restante dos países francófonos a palavra é portable, que vem de téléphone portable, ou telefone móvel, como dá pra inferir…
A curiosidade é que isso vem de Nationales Autotelefonnetz, ou, traduzindo, “rede nacional de telefonia móvel”, quando em 1975 a Suíça resolveu implantar a rede de telefonia móvel para veículos.
Engraçado é que hoje, apesar a palavra ter ganhado a boca do povo, só a Swisscom tem direito de usar comercialmente a palavra!
6. Gymnase
Não vou falar de academia pra fazer musculação, não.
Mas quem conhece francês sabe que colégio em francês é lycée. Na verdade, lycée é uma etapa da educação francesa, seria algo parecido com o nosso Ensino Médio. Aliás, temos vários liceus espalhados pelo Brasil — no caso pode ser tanto do francês quanto do português de Portugal mesmo, porque neste último a palavra era usada até 1970 para a instituição de ensino secundário, assim como a palavra-prima francesa!
Então bora lá, aqui na Suíça cada cantão tem a autoridade para ser relativamente independente do outro. Sendo assim, as organizações burocráticas de Vaud — cantão onde fica Lausanne — e o cantão de Bern podem ter organizações muito diferentes e não só porque Vaud é francófono e Bern bilíngüe — mas na real quase germanófono —, mas cantões de mesma língua podem ser muito diferentes entre si.
Isso tudo pra te falar das palavras pra falar de Ensino Médio!
Vem comigo: em Vaud, o Ensino Médio é chamado de gymnase, em Genève, de lycée — é, eles estão bem mais perto da França, vai — e no Valais, chama-se collège — legal lembrar que em Vaud, collège é a palavra usada para os três últimos anos do Ensino Fundamental, então imagina a minha confusão quando fiquei sabendo disso!
O anos de estudo em cada cantão também pode variar: em Vaud é 3 anos, em Genève, 4 e no Valais, 5!
Isso pro Ensino Médio normal, que aqui leva pra faculdade, porque o sistema aqui é diferente, você pode escolher entre fazer o Ensino Médio ou o técnico (apprentissage), quando você aprende na prática trabalhando em alguma empresa e vai uma ou duas vezes por semana pra escola pra ter a teoria.
7. – Atchim!
– Santé!
Achei super-fofo quando meu professor de francês, há anos atrás me ensinou a expressão francesa à tes souhaits!, que basicamente significa aos teus desejos e é empregada quando alguém espirra. Seria nosso equivalente à saúde!. Mas e pra lembrar disso? Passei anos — ANOS!! — tentando me acostumar a falar à tes souhaits! no lugar de simplesmente santé! — que seria a tradução de saúde —, tudo isso pra chegar aqui na Suíça e descobrir que eles já tinham simplificado minha vida: aqui se fala santé! quando alguém espirra!
Ah, esses suíços…
8. La quittance, s’il vous plaît?
Essa eu fui prevenida antes de chegar: a irmã de um amigo meu veio pra Suíça pouco antes de eu vir e ele me avisou que ela achou muito esquisito quando ela ia pagar algo, perguntavam se ela queria a quittance, que em francês normalmente é addition, muito parecido com o inglês, por sinal! Mas com sotaque francês.
Acho que até faz sentido, porque é algo que você paga antes de sair, ou quitter… E não vou mentir, não, me acostumei rápido!
É claro que esses são apenas alguns helvétismos, mas são os que mais saltam aos olhos — ou melhor, aos ouvidos — quando chegamos…
E você, conhece mais algumas? Divida com a gente!
Não conhece, mas curtiu o post? Ajude a divulgar 😉
Antes de acabar esse post, quero agradecer especialmente meu amigo Sebastien Caldana, que me tirou muitas dúvidas sobre helvétismos e a Suíça em geral e que me deu uma ajuda especial nesse post, confirmando e explicando cada uma das expressões! 🙂
[…] E aí, em janeiro deste ano, meu namorado chegou e a gente conseguiu um apartamento em Bern (um provisório e depois um permanente) e eu topei o desafio de ir morar numa cidade da qual a língua conheço muito pouco — desde que decidi vir pra Suíça, comecei a estudar alemão, mas como eu já disse, o alemão falado aqui é bem diferente do chamado Hochdeutsch. […]