Eu sei que faz tempo que eu não falo sobre Lausanne, então aqui vai um post pra matar a saudade: a cidade, além de ser sede do COI (Comitê Olímpico Internacional), tem vários museus interessantes e um dos meus favoritos é a Collection d’Art Brut.
Se você não sabe o que é arte bruta ainda, deixa eu te ajudar: essa expressão nasceu no século passado, com o pintor francês Jean Dubuffet, quem teorizou todo o conceito.
Mas qual é esse conceito? É o seguinte: arte bruta seria um tipo de “operação artística pura, bruta, reinventada no inteiro das suas fases pelo seu autor à partir somente de seus próprios impulsos” (tradução livre de parte do livro “L’Art Brut préféré aux arts culturels” do próprio pintor). Desde que eu conheci o termo há alguns anos, comecei a pensar cada vez mais na relação da arte bruta com um diamante bruto, afinal, esse é um tipo de arte que não é influenciado pelas correntes artísticas, sendo uma criação tão natural e linda quanto o diamante bruto, afinal, muitas vezes seus criadores são pessoas em asilos ou instituições psiquiátricas — o que, pra mim, torna o tipo de arte ainda mais natural, mais sentimental e menos “intelectualizada”. Mas enfim, eu não sou nenhuma especialista em arte bruta.
Em 1948, Jean Dubuffet se juntou com André Breton e Jean Paulhan para fundar em um pavilhão parisiense emprestado por ninguém menos que o editor francês Gaston Gallimard, a Compagnie d’Art Brut. Essa companhia foi apoiada por artistas da época como Jean Cocteau, Claude Lévi-Strauss, Henri Michaux, Francis Ponge, Tristan Tzara ou Joan Miró, mas infelizmente em 1951 ela já havia se dissolvido.
Mas esse fracasso não pára o crescimento da arte bruta! Depois disso, revistas, livros e até mesmo uma exposição no Musée des Arts décoratifs de la Ville de Paris divulga a arte bruta.
Em 1971, Dubuffet doa sua coleção de arte bruta para a cidade de Lausanne, o que constitui cerca de 5.000 peças na época; e hoje conta com mais de 60.000 obras, sendo que apenas 700 delas estão expostas nos andares do Château de Beaulieu que abriga o museu.

Fazer uma visita ao museu é algo intenso. É como entrar na cabeça de um psicótico: são obras que transmitem muita energia e vitalidade, como se o próprio autor estivesse lá te mostrando o que sentir. Das vezes que pude ir, encontrei peças extremamente pacíficas, como uma série de carrosséis e esculturas diversas feitas com conchas e outros materiais leves de Paul Amar que não pude deixar de associar com a série “Hoje é dia de Maria”, que me encantou com um romantismo folclórico muito fofo! Adorei o estilo “escrita automática-desenhada” de Emile Josome Rodinos que me encantou tanto com a sua letra de cartão, quanto com o tamanho (e olha que a minha letra é pequena!), mas também com os desenhos às vezes um pouco perturbadores. Joseph Crépin foi outro que me chamou a atenção com seus desenhos coloridos muito mais bonitos que qualquer livro de colorir, e que me lembraram um pouco a atmosfera circense que eu tanto amo.
Alguns artistas tem fixações, como Sylvain Fusco, que me deixou chocada com seus rostos sempre me encarando, ou Carlo Zinelli com seus homens-ETs de perfil, como uma linha de montagem, ou Lonné, que escondia rostos em traços quase abstratos, melhor, em buracos nos traços.
Pra ser sincera, a parte das obras escritas/desenhadas à caneta acho que foi o que mais me encantou — acho que por essa mistura de letra e desenho, essa arte de escrever que eu amo tanto —, e infelizmente os artistas que mais me apaixonaram nessa parte não estão no inventário biográfico da Collection.
Então pra finalizar, eu não poderia deixar de falar de Adolf Wölfi, suíço que não só me impressionou, mas foi um dos primeiros a ser associado à arte bruta, tendo sido possivelmente até o interesse de Dubuffet no começo da teorização da arte bruta. Esse órfão, abusado física e sexualmente quando criança, foi para um hospital psiquiátrico em 1899 em Bern, onde ficou até morrer em 1930. Ele sofria de psicose, o que o levou a episódios de alucinação. Ele teria começado a desenhar e compor músicas aos 30 anos e deixou uma vasta obra. Pude ver alguns de seus trabalhos, com muitas cores e repetições de figuras, também me impressionou a repetição de palhaços e ornamentos decorativos.
A Collection d’Art Brut infelizmente não autoriza tirarmos fotos dentro do museu, por isso só vou postar aqui as fotos externas, mas sinta-se à vontade para visitar o site da Collection pra ver as biografias dos autores e algumas obras.


Este post vai como homenagem a minha querida amiga que aniversaria hoje.
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